A chegada de novo pĂĄroco em JanuĂĄria atiçou a curiosidade noturna dos habitantes. O que houvera de fato? O sacristĂŁo segurava-se na promessa feita ao padre SalomĂŁo. O novo padre, jovem, foi alvo de assĂ©dios e bajulaçÔes. Desde aquele episĂłdio do "pastor" envolvido em falcatruas e outras sujeiras, a igreja catĂłlica de JanuĂĄria havia recuperado prestĂgio e angariado novos praticantes.
Agora, era a igreja romana que se via no enrolado de um silĂȘncio. Assim, no singular, como gostava Saramago. O que houvera?
Na madrugada daquele dia, uma semana apĂłs a chegado do padre Thiago, a pensĂŁo de dona OlĂvia recebe dois forasteiros. Dois rapazes e uma moça portando vĂĄrios equipamentos de filmagens e fotos. MĂĄquinas e tripĂ©s. JanuĂĄria amanhece alvoroçada. Ao chegarem Ă igreja matriz, os visitantes se apresentaram ao padre. Fariam uma reportagem sobre o padre SalomĂŁo, Antecessor do jovem pĂĄroco. Ou melhor, uma matĂ©ria sobre a vida do padre destituĂdo naquela localidade. Posto que, sobre o prĂłprio padre SalomĂŁo, eles Ă© que sabiam das coisas que JanuĂĄria
desconhecia.
Ouvindo a explicação dos forasteiros ao padre Thiago, o sacristão resolveu contar o que sabia. Pois fora superficialmente informado por aquela comissão que viera buscar o velho padre. Tudo girava em torno do "segredo" vazado da confissão.
De tempos antigos, anos de chumbo, o padre SalomĂŁo fora capelĂŁo do Regimento de Infantaria do ExĂ©rcito, em Recife. E nessa condição, prestara serviços inconfessĂĄveis aos ĂłrgĂŁos de repressĂŁo. Dentre esses prĂ©stimos, o uso do confessionĂĄrio para obter informaçÔes que repassava aos policiais, nos "inquĂ©ritos" da repressĂŁo polĂtica. Presos polĂticos, sob tortura, muitos deles catĂłlicos, prestavam-se "ao conforto" do confessionĂĄrio. Confessor? Padre SalomĂŁo.
Como fora desmascarado comprovadamente? Conto. Um seminarista de SĂŁo Paulo, preso juntamente com frades beneditinos, foi transferido para Recife, por ter sido citado num inquĂ©rito ali instaurado. Corria o boato das suspeitas sobre o confessor capelĂŁo. O seminarista, ardilosamente, pede para se confessar. E na confissĂŁo, conta ao padre SalomĂŁo que participara de uma queima de canavial, em NazarĂ© da Mata, nominando mĂȘs, dia, horas. Ele sabia do fato e o fato ocorrera. Colocou-se na cena do ato. NĂŁo deu outra. O padre repassa a informação. O seminarista Ă© interrogado sobre aquele ato terrorista, apanha pra confessar aos torturadores. Informa, contudo, que era impossĂvel sua participação naquele dia, daquele mĂȘs, pois estava preso em SĂŁo Paulo. Confrontada a informação, atestou-se que era impossĂvel ele estar em SĂŁo Paulo e Recife no mesmo dia. Ubiquidade anulada por si mesma.
PorĂ©m, nem os investigadores e muito menos o padre queriam a publicidade da desmoralização. Retiram o seminarista daquele inquĂ©rito, mantendo-o no outro, e transferem o padre SalomĂŁo pros cafundĂłs do Judas. Onde? JanuĂĄria. Esconderijo de silĂȘncios.