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Esconderijo de silĂȘncios (V)

Foto do escritor: FrançoisFrançois

A chegada de novo påroco em Januåria atiçou a curiosidade noturna dos habitantes. O que houvera de fato? O sacristão segurava-se na promessa feita ao padre Salomão. O novo padre, jovem, foi alvo de assédios e bajulaçÔes. Desde aquele episódio do "pastor" envolvido em falcatruas e outras sujeiras, a igreja católica de Januåria havia recuperado prestígio e angariado novos praticantes.


Agora, era a igreja romana que se via no enrolado de um silĂȘncio. Assim, no singular, como gostava Saramago. O que houvera?


Na madrugada daquele dia, uma semana após a chegado do padre Thiago, a pensão de dona Olívia recebe dois forasteiros. Dois rapazes e uma moça portando vårios equipamentos de filmagens e fotos. Måquinas e tripés. Januåria amanhece alvoroçada. Ao chegarem à igreja matriz, os visitantes se apresentaram ao padre. Fariam uma reportagem sobre o padre Salomão, Antecessor do jovem påroco. Ou melhor, uma matéria sobre a vida do padre destituído naquela localidade. Posto que, sobre o próprio padre Salomão, eles é que sabiam das coisas que Januåria

desconhecia.


Ouvindo a explicação dos forasteiros ao padre Thiago, o sacristão resolveu contar o que sabia. Pois fora superficialmente informado por aquela comissão que viera buscar o velho padre. Tudo girava em torno do "segredo" vazado da confissão.


De tempos antigos, anos de chumbo, o padre Salomão fora capelão do Regimento de Infantaria do Exército, em Recife. E nessa condição, prestara serviços inconfessåveis aos órgãos de repressão. Dentre esses préstimos, o uso do confessionårio para obter informaçÔes que repassava aos policiais, nos "inquéritos" da repressão política. Presos políticos, sob tortura, muitos deles católicos, prestavam-se "ao conforto" do confessionårio. Confessor? Padre Salomão.


Como fora desmascarado comprovadamente? Conto. Um seminarista de SĂŁo Paulo, preso juntamente com frades beneditinos, foi transferido para Recife, por ter sido citado num inquĂ©rito ali instaurado. Corria o boato das suspeitas sobre o confessor capelĂŁo. O seminarista, ardilosamente, pede para se confessar. E na confissĂŁo, conta ao padre SalomĂŁo que participara de uma queima de canavial, em NazarĂ© da Mata, nominando mĂȘs, dia, horas. Ele sabia do fato e o fato ocorrera. Colocou-se na cena do ato. NĂŁo deu outra. O padre repassa a informação. O seminarista Ă© interrogado sobre aquele ato terrorista, apanha pra confessar aos torturadores. Informa, contudo, que era impossĂ­vel sua participação naquele dia, daquele mĂȘs, pois estava preso em SĂŁo Paulo. Confrontada a informação, atestou-se que era impossĂ­vel ele estar em SĂŁo Paulo e Recife no mesmo dia. Ubiquidade anulada por si mesma.


PorĂ©m, nem os investigadores e muito menos o padre queriam a publicidade da desmoralização. Retiram o seminarista daquele inquĂ©rito, mantendo-o no outro, e transferem o padre SalomĂŁo pros cafundĂłs do Judas. Onde? JanuĂĄria. Esconderijo de silĂȘncios.



 
 
 

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